Representantes dos armadores e marítimos solicitaram às Nações Unidas a criação de uma força-tarefa interagências para examinar a implementação e a aplicação prática da Convenção do Trabalho Marítimo (CTM) de 2006 durante a pandemia, inclusive seu impacto nos direitos fundamentais dos marítimos e no setor de navegação.
A crise das trocas de tripulação chegou ao auge com mais de 400.000 marítimos presos em navios, trabalhando além do estipulado em seus contratos, por causa de restrições locais contra a covid-19 e da falta de cooperação e coordenação dos governos para tratar da crise.
O número de marítimos ainda confinados está em torno de 200.000 e está aumentando de novo, à medida que as autoridades reagem a novas variantes e explosões de casos, como a segunda onda devastadora que atualmente assola a Índia. Embora alguns governos tenham reagido bem, considerando os marítimos trabalhadores essenciais e facilitando seu deslocamento, muitos estão de braços cruzados enquanto as tripulações de navios não conseguem voltar para casa, em uma situação análoga ao trabalho escravo. É preciso agir com urgência.
O apelo para que haja uma investigação da ONU veio em uma resolução adotada na 4.ª sessão do Comitê Tripartite Especial (CTE) sobre a Convenção do Trabalho Marítimo da OIT, realizada em formato virtual entre 19 e 23 de abril de 2021, em que representantes da ITF, armadores e governos se reuniram para analisar a Convenção [1,2].
“A Convenção do Trabalho Marítimo é um tratado internacional cujo objetivo é proteger os marítimos e contribuir para a oferta de trabalhos dignos”, afirma Mark Dickinson, porta-voz dos marítimos na Organização Internacional do Trabalho e vice-presidente da Seção dos Marítimos da ITF.
“A governança e a estrutura do setor ficaram duramente expostas durante a pandemia. O setor está fragmentado, apesar dos requisitos estabelecidos no Direito Marítimo da ONU, e isso contribuiu intensamente para o caos.”*
“Os principais Estados de bandeira são tigres de papel – não têm visibilidade alguma, capacidade alguma e interesse algum no bem-estar de suas tripulações.”
“Além do mais, os 97 governos que ratificaram a CTM têm o dever de garantir que a tripulação possa voltar para casa ao final de seus contratos. Está ali, de forma clara. Não há cláusulas de escape ou condições especiais. Os governos que deixaram de assegurar a repatriação dos marítimos ou impediram que tripulações voltassem para casa, negaram-lhes cuidados médicos em terra e não cooperaram internacionalmente para garantir os direitos dos marítimos incorrem em clara violação à CTM e, portanto, a suas obrigações internacionais.”
Proibições de viagens imponderadas
A reunião do CTE observou que, apesar da pandemia, os marítimos mantiveram abertas as linhas de abastecimento, garantindo que itens essenciais, como alimentos, combustíveis, medicamentos e equipamentos médicos, cheguem aonde são necessários. Entretanto, os governos tiveram 13 meses para se organizar e, ainda assim, muitos impõem proibições de viagens imponderadas que estão impedindo os marítimos de embarcar e desembarcar dos navios.
“Se os marítimos forem considerados trabalhadores essenciais no mundo todo e tiverem permissão para se deslocar livremente, isso será de grande utilidade para solucionar esse enorme problema de direitos humanos”, afirma Fabrizio Barcellona, coordenador da Seção dos Marítimos da ITF. “Há uma série de medidas que as autoridades precisam pôr em prática a fim de impedir a propagação da doença para proteger os marítimos e as comunidades portuárias, como testes e a priorização de vacinas para marítimos e trabalhadores portuários.”
A reunião também recomendou melhor cooperação entre as nações, isenções temporárias para permitir viagens e reconhecimento internacional dos documentos de tripulantes. Tudo isso ajudaria na crise das trocas de tripulação sem causar nenhum impacto considerável na capacidade dos governos de controlar a covid-19.
“Muitos marítimos perderam o emprego como consequência da pandemia. Além disso, em decorrência da forma como os governos estão lidando com a crise, muitos outros estão repensando a escolha da profissão”, diz Dickinson. “Isso teve um impacto nos negócios de navegação, com algumas empresas incapazes de continuar operando devido à falta de tripulantes. Isso está afetando toda a economia mundial. Os governos precisam agir com urgência para evitar que a situação piore ainda mais.”
Prioridade na vacinação
A reunião também concordou com uma resolução à parte segundo a qual os trabalhadores em transportes devem ter prioridade na vacinação contra a covid-19[3], respaldando o apelo público da ITF na semana passada para que os governos parem de ignorar os conselhos da OMS e priorizem as vacinas com base em razões humanitárias e econômicas.
A resolução define como os governos devem disponibilizar vacinas para os marítimos e reconhecer vacinas de outros países. Ela aconselha a instalação de centros nos principais portos para vacinação das tripulações dos navios.
FIM
Observações:
* O artigo 94 faz parte da Convenção do Trabalho Marítimo (CTM). Consta na Convenção de Direito Marítimo das Nações Unidas, de 1982, que rege como devem ser realizadas todas as atividades nos oceanos e mares, e o artigo 94 estabelece os deveres e obrigações de um Estado de bandeira em relação às condições de trabalho, tripulações e questões sociais nos navios que arvorem sua bandeira.
Em 2020, as três principais bandeiras de conveniência são Panamá, Libéria e Ilhas Marshall, que juntas representam um terço do valor da frota mundial e 42% da sua capacidade de carga.
---
[1] A Organização Internacional do Trabalho (OIT) é uma agência especializada da ONU encarregada, entre outras coisas, de supervisionar as normas trabalhistas. O principal tratado internacional relacionado à navegação e aos marítimos é a Convenção do Trabalho Marítimo (CTM), muitas vezes chamada de Declaração de Direitos dos Marítimos, que visa proteger os direitos fundamentais dos trabalhadores marítimos. Para saber mais, clique aqui.
[2] A Parte I da quarta reunião do Comitê Tripartite Especial da CTM de 2006, realizada em formato virtual de 19 a 23 de abril de 2021, deliberou sobre o impacto da covid-19 no setor de navegação e nos marítimos. A reunião concluiu que a Organização Internacional do Trabalho deve solicitar ao secretário-geral das Nações Unidas que convoque uma força-tarefa interagências. Para saber mais, clique aqui.
Sobre a ITF: A Federação Internacional dos Trabalhadores em Transportes (ITF) é uma federação democrática e liderada pelos afiliados, reconhecida como a autoridade em transportes líder no mundo. Lutamos apaixonadamente para melhorar a vida profissional, conectando sindicatos de 147 países para assegurar direitos, igualdade e justiça para nossos membros. Somos a voz de aproximadamente 20 milhões de trabalhadoras e trabalhadores na indústria de transportes do mundo todo, incluindo mais de um milhão de marítimos.